Você sente a dor e tem consciência dela. Mesmo assim, continua tentando mudar algo que parece impossível. Neste artigo, vamos investigar por que continuamos em relacionamentos que nos prejudicam e nos faz sofrer.
Fig. 1 Casal discutindo criado por Copilot
O amor pode ser uma fonte de felicidade, mas às vezes se torna um peso insuportável, não é mesmo? Todos ao seu redor - amigos, familiares, colegas - aconselham você a deixar esse relacionamento. Dizem que está te prejudicando, que não é bom para você, e que você está sofrendo. No fundo, talvez você já saiba que esse relacionamento chegou ao fim. Passa noites sem dormir, pensando que é improvável que algo novo e positivo surja dessa relação. Os momentos de dor e tristeza superam em muito os de entendimento e prazer. E isso já dura há muito tempo.
No entanto, a simples ideia de partir te deixa com o coração apertado. Uma enxurrada de medos e pensamentos negativos te assaltam: “Ficarei só pelo resto da vida”, “Nunca mais terei alguém”, “Como vou seguir minha vida?”, “E se eu me arrepender?”, “E se eu não conseguir viver sem esse relacionamento?”
A teoria parece simples: se um relacionamento nos faz mal, o ideal é nos afastarmos. No entanto, na prática, a situação é bem mais complexa. Neste artigo, vamos explorar os motivos pelos quais é tão desafiador romper com um vínculo que só nos causa sofrimento.
Persistir em um amor que machuca: possíveis razões
Reconhecer que o relacionamento já não nos satisfaz como antes é um passo crucial para repensar os problemas. Com o tempo, é comum que nossas expectativas e ilusões se dissipem, revelando nosso parceiro como uma pessoa real, com virtudes e falhas. Surge então a dúvida se queremos continuar com essa pessoa. Além disso, antigas feridas emocionais ressurgem com força total.
É compreensível sentir frustração quando a realidade não corresponde às nossas expectativas. Mesmo cientes de que a relação está em declínio, hesitamos em romper esse vínculo delicado. Mas por que persistimos em relacionamentos desgastados que nos causam dor?
A dependência emocional é uma das razões principais, levando-nos a nos agarrar ao parceiro por medo da solidão e da incerteza de encontrar outro amor. Essa dependência se manifesta na busca incessante por aprovação e validação do outro, o que nos impede de reconhecer os sinais de um relacionamento tóxico e dificulta a decisão de seguir em frente.
1. Por que aprendemos que o amor para ser verdadeiro tem que ser sofrido?
As influências das narrativas sobre o amor romântico são profundas e duradouras, moldando nossa percepção desde a infância até a vida adulta. Desde os contos de fadas até os épicos literários como Romeu e Julieta, somos imersos em histórias que exaltam o amor sofrido e doloroso. Desde cedo, absorvemos essas narrativas, internalizando a ideia de que o verdadeiro amor está intrinsecamente ligado à dor e ao sacrifício. Personagens como princesas desoladas no cinema ou casais míticos como Tristão e Isolda reforçam a noção de que o amor verdadeiro só pode ser alcançado através de provações dolorosas e tragédias.
Fig 2. Tristeza após rompimento amoroso por Copilot
Essa visão distorcida do amor nos leva a aceitar e até mesmo esperar relacionamentos permeados por conflitos e angústias. A crença de que "se não dói, não é amor verdadeiro" nos leva a normalizar o sofrimento, mesmo quando ultrapassa os limites do suportável. No entanto, é fundamental questionar até que ponto devemos aceitar o sofrimento como parte inevitável do amor. Quando o sofrimento se torna predominante, é hora de reavaliar nossas concepções e buscar relacionamentos que promovam nosso bem-estar emocional, priorizando o prazer e a felicidade mútua.
2. Por que nos apavora a possibilidade de estar sozinhos?
O medo de estar sozinho ecoa profundamente em nossas mentes, despertando inquietudes arraigadas e fundamentais. Essa angústia, enraizada em nossa psique, surge da necessidade básica de conexão e pertencimento. Donald Winnicott, renomado psicanalista, aborda essa questão, destacando a importância de desenvolver a capacidade de estar só como um pilar crucial para a saúde emocional.
Segundo Winnicott, estar só não significa ausência de companhia, mas sim a habilidade de manter uma sensação de segurança e integridade mesmo quando acompanhado. Ele afirma que "a base da capacidade de ficar só é um paradoxo; é a capacidade de ficar só quando alguém está presente" (WINNICOTT, D.W., 1958).
Essa habilidade se desenvolve nas relações iniciais da criança com seus cuidadores principais, que representam fontes de amor, acolhimento, confiança e segurança. Quando a criança tem essa base sólida, ela pode apreciar a solitude, confiando em seu mundo interno e se sentindo protegida.
Fig. 3 Moça chorando após rompimento amoroso por Copilot
Portanto, o medo da solidão não reside na própria condição de estar só, mas sim na falta de segurança emocional e na desconexão com os outros. Tememos a solidão porque ela ameaça nossa sensação de pertencimento e nossa capacidade de estabelecer laços significativos. A necessidade de companhia surge da busca por validação, apoio e afeto, elementos cruciais para nossa saúde emocional e bem-estar.
3. Por que nos preocupamos tanto com a opinião dos outros?
A pressão social para evitar a solidão é uma realidade arraigada que afeta pessoas de todos os gêneros, remontando a construções tradicionais há séculos. Desde tenra idade, somos ensinados que a felicidade e completude estão ligadas à presença de um parceiro, reforçando uma dependência emocional geral. Essa narrativa é constantemente reforçada pela sociedade, pela mídia e pela cultura popular, que glorificam os relacionamentos românticos e estigmatizam a vida solteira, impondo uma forte pressão para evitar a solidão, associando-a à falta de realização.
Aqueles que optam por permanecer solteiros enfrentam estigma e julgamento, sendo frequentemente rotulados como "incompletos" ou "solitários" pela sociedade. Esse estigma pode levar as pessoas a permanecer em relacionamentos insatisfatórios ou até mesmo abusivos por medo do julgamento social. A preocupação com a opinião alheia pode ser tão avassaladora que acaba por comprometer decisões alinhadas ao bem-estar pessoal, como a continuidade ou término de um relacionamento. Assim, desafiar essas normas e promover a autonomia torna-se essencial, permitindo que cada indivíduo faça escolhas baseadas em seus próprios desejos, livres das pressões sociais impostas pela sociedade.
4. Por Que Repetimos Padrões de Relacionamentos Disfuncionais?
Se o modelo de relacionamento conhecido é caracterizado por sofrimento e dinâmicas disfuncionais, é comum considerarmos esse tipo de vínculo como normal, sem acreditar na possibilidade de construir um relacionamento afetivo saudável. A perspectiva psicodinâmica destaca a importância das primeiras relações infantis com os cuidadores no desenvolvimento emocional saudável, sugerindo que padrões inconscientes formados na infância influenciam nossas escolhas de parceiros na vida adulta. Assim, se nossos primeiros relacionamentos foram disfuncionais, é provável que repitamos esses padrões em nossa vida amorosa, já que as experiências infantis moldam nossas expectativas e comportamentos futuros.
Quando manipulação e maus-tratos são comuns em nossos relacionamentos, tendemos a aceitar esses comportamentos como normais nos novos vínculos, perpetuando um ciclo de padrões negativos internalizados na infância. A psicodinâmica ensina que os padrões estabelecidos na infância, como a forma como fomos tratados por nossos pais, continuam a influenciar nossas relações adultas. Para interromper esses ciclos, é necessário um esforço consciente e, muitas vezes, apoio terapêutico para reprogramar nossas respostas emocionais e cultivar expectativas mais positivas. Ao compreender esses conceitos, podemos desafiar e modificar esses padrões, abrindo caminho para relacionamentos mais saudáveis e gratificantes.
5. Por que a baixa autoestima pode nos aprisionar em um relacionamento ruim
A autoestima desempenha um papel crucial em nossos relacionamentos, moldando nossa percepção de merecimento e influenciando nossas escolhas. Quando nossa autoestima está enfraquecida, podemos inadvertidamente nos prender a relacionamentos abusivos, aceitando menos do que merecemos. Vamos explorar essa dinâmica complexa sob a perspectiva da psicologia. A autoestima tem a ver com auto aceitação, autoimagem, autovalorização e confiança em si. Quando nossa autoestima está saudável, tendemos a buscar relacionamentos que nos enriqueçam emocionalmente e nos façam crescer. No entanto, quando ela está comprometida, nossa visão de amor e relacionamentos pode ser distorcidas.
As frases como: “Não sou merecedora de amor”, “A culpa de não dar certo é minha”, “Nunca vou encontrar um relacionamento melhor”, “Eu que não me esforço o suficiente”, fazem parte do nosso vocabulário. Essa insegurança pessoal é um terreno fértil para a tolerância de comportamentos abusivos. A pessoa pode justificar atitudes agressivas do parceiro, acreditando que é o que merece. Além disso, a baixa autoestima cria uma armadilha: a pessoa se sente presa entre o desejo de ser amada e o medo de ficar sozinha.
Como, então, libertar-se de um amor que dói?
Fig. 4 Imagem de Jill Wellington porPixabay
A dificuldade em terminar relacionamentos desgastados, muitas vezes causadores de dores profundas, está intrinsecamente ligada à autoestima fragilizada, muitas vezes enraizada em traumas passados. O ciclo de culpa e autossabotagem é alimentado por crenças inconscientes sobre o próprio valor, reforçadas por ambientes abusivos. No entanto, a psicoterapia psicodinâmica oferece uma rota para quebrar esse ciclo, explorando as raízes profundas da baixa autoestima e recontextualizando os traumas vividos. Ao fortalecer a autoestima e o autoconhecimento, torna-se possível reconhecer o direito a um relacionamento saudável e libertar-se dos padrões de relacionamentos disfuncionais.
A resistência em terminar o relacionamento, muitas vezes, é motivada pelo medo intenso da dor emocional e do luto que a acompanha. Apesar disso, permanecer em um relacionamento prejudicial por medo da dor é uma armadilha comum. A terapia não apenas oferece apoio durante esse processo, mas também ajuda a compreender e superar o medo da perda, capacitando a pessoa a buscar relacionamentos que promovam seu bem-estar emocional e crescimento pessoal.
REFERÊNCIA:
SOPHIA, E. C., TAVARES, H., & ZILBERMAN, M. L. Amor patológico: Um novo transtorno psiquiátrico? Rev. Bras. Psiquiatr., 29(1), 2007.
ZAMBONI, MARCELA. (2010). Quem acreditou no amor, no sorriso, na flor: a confiança nas
relações amorosas. São Paulo: Annablume, João Pessoa, UFPB, 2010.
BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2003.
FERREIRA-SANTOS E. Ciúme, o medo da perda. São Paulo: Editora Ática; 1998.
NORWOOD, ROBIN. Mulheres que amam demais. São Paulo: Saraiva, 2010.
WINNICOTT, D. W. (1958) A Capacidade de Estar Só. In: Winnicott, (1979) O Ambiente e os Processos de Maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983, pp.31-37.
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